Apaga as estrelas
A ouvir Al Berto a declamar os seus próprios poemas, transcrevo-vos este, que sem dúvida é um dos meus preferidos e que ele adaptou como final do seu livro de prosa Lunário.
"No centro da cidade, um grito. Nele morrerei, escrevendo o que a vida me deixar e sei que cada palavra escrita é um dardo envenenado. Tem a dimensão de um túmulo e todos os teus gestos são uma sinalização em direcção à morte.
Mas hoje, ainda longe daquele grito, sento-me na fímbria do mar. Medito no meu regresso.
Possuo para sempre tudo o que perdi, e uma abelha pousa-me no azul do lírio e no cardo que sobreviveu à geada. Bebo, fumo, mantenho-me atento, absorto - aqui sentado, junto à janela fechada. oiço-te ciciar: amo-te, pela primeira vez, e na ténua luminosidade que se recolhe ao horizonte, acaba o corpo. Recolho o mel, guardo a alegria, e digo-te baixinho:
Apaga as estrelas, vem dormir comigo no esplendor da noite do mundo que nos foge."
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E no centro da cidade, um grito. Nele morrerei, escrevendo o que a vida me deixar. E sei que cada palavra escrita é um dardo envenenado, tem a dimensão de um túmulo, e todos os teus gestos são uma sinalização em direcção à morte - embora seja sempre absurdo morrer.
Mas hoje, ainda longe daquele grito, sento-me na fímbria do mar. Medito no meu regresso. Possuo para sempre tudo o que perdi. E uma abelha pousa no azul do lírio, e no cardo que sobreviveu à geada. Penso em ti. Bebo, fumo, mantenho-me atento, absorto - aqui sentado, junto à janela fechada. Ouço-te ciciar amo-te pela primeira vez, e na ténue luminosidade que se recolhe ao horizonte acaba o corpo. Recolho o mel, guardo a alegria, e digo-te baixinho: Apaga as estrelas, vem dormir comigo no esplendor da noite do mundo que nos foge.
AB Sines / S. Pedro Moel 1988
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